Este ano, em 22 de junho, são 388 anos que nos separam do dia em que, Galileu Galilei (1564-1642), no Convento de Santa Maria Sopra de Minerva, de joelhos com a mão na Bíblia, perante o Tribunal do Santo Oficio, abjurava, maldizia e renegava os erros e heresias de que a Terra se movia ao redor do Sol. Segundo a lenda, ao final Galileu teria dito: “Epur, sie muove”, e ainda se move. A Igreja deteve Galileu, mas não podia deter a Terra. A humilhante condenação de Galileu foi uma tentativa desesperada da Igreja para salvar o sistema cosmológico geocêntrico de Aristóteles, Ptolomeu e a reputação da Bíblia. Para os inquisidores, incultos e retrógrados, era como se um novo Lutero tivesse aparecido na pessoa de Galileu.
Os dominicanos que formavam tradicionalmente a maioria dos juízes do Tribunal da Inquisição, já haviam em 1616 condenado o sistema heliocêntrico de Nicolau Copérnico (1473-1543). O tratado de Copérnico, “A Revolução dos Corpos Celestes”, já estava incluído no Index Librorum Prohibitorium de livros proibidos pela Igreja. A condenação do sistema heliocêntrico havia partido do próprio papa apoiado nos teólogos que a consideravam idiota, insensata, absurda e filosoficamente herética pois contradizia explicitamente em muitos lugares o sentido da Sagrada Escritura. Igualmente, o movimento diário da rotação da Terra sobre o próprio eixo, era “no mínimo errônea na fé”. O estopim para a condenação de Galileu foi a publicação em fevereiro de 1633 do “Diálogo sobre os Dois Maiores Sistemas do Mundo”. Nele, Galileu se posicionava a favor do heliocentrismo de Copérnico e desafiava de modo ousado o decreto do Santo Oficio de 1616. O papa Urbano VIII ficou furioso e traído pela amizade e admiração que tinha por Galileu. O cardeal Bellarmino (1542-1621) que havia dirigido o processo contra Giordano Bruno (1550-1600) condenando-o à fogueira, conclui que Galileu “era um perigo” pois começava a atingir o grande público. A condenação desses dois pilares da ciência astronômica e do pensamento, cobriu a Igreja de vergonha. Graças a sua fama, protegido pela família Medici, por amigos influentes entre eles o cardeal Francesco Barberini, irmão do papa, para os padrões da época da Inquisição, o tratamento dispensado a Galileu foi brando. Não ficou preso um dia sequer, apesar de ameaçado, não foi torturado, a pena de prisão ordinária foi comutada no mesmo dia pelo papa e até a ordem de recitar uma vez por semana os salmos, pôde ser transferida para sua filha que era freira. Foi indicado como moradia apesar de vigiado, o palácio Medici em Roma, depois transferido para Siena para o palácio do arcebispo Piccolomini e, ao final, conseguiu transferência para a Vila do próprio cientista em Arcetri, perto de Florença onde veio a falecer aos 77 anos em 08/01/1642 após sofrer febre e palpitações cardíacas. Desaparecia um gênio e nascia outro: Isaac Newton. Em 1638, quando sua liberdade foi restabelecida, já estava praticamente cego sofrendo de uma hérnia e insônia. Mesmo assim, conseguiu reunir forças para retornar suas pesquisas e escrever sua maior obra “Discursos e Demonstrações Matemáticas sobre duas Novas Ciências”, que o imortalizou. O livro foi um sucesso e era vendido livremente na Europa.
O Grande Olho da Humanidade – “As estrelas são como chamas: brilham, vibram e cintilam“. (Galileu)
Com a invenção da luneta atribuída ao óptico holandês Hans Lippershey (1587-1610) e sua aplicação a astronomia por Galileu, estava iniciada a mais profunda transformação científica que abalou a visão do mundo. A luneta tornou-se uma “prova decisiva” a favor do heliocentrismo e apresentava ao mundo um novo universo. Embora tenha apresentado evidências empíricas e argumentos de peso, Galileu não provou a rotação da Terra, algo que somente viria no século 19 com o pêndulo de Léon de Foucault em Paris. Ao dirigir sua luneta para o céu, Galileu pôs abaixo uma tradição de 2000 anos e decretava o fim da concepção clássica e medieval do Cosmo. Tamanho impacto nas descobertas astronômicas e físicas, levou Einstein a chamá-lo de “Pai da Ciência Moderna”. Antes da luneta, os astrônomos só podiam investigar os corpos celestes quanto às suas posições relativas. A natureza física desses corpos era objeto apenas de especulações filosóficas sem qualquer base observacional. Diz a lenda que Johannes Kepler (1572-1630) chorou de emoção ao ler “O Mensageiro das Estrelas”, um relato de apenas 24 páginas em que Galileu anunciava suas descobertas com a luneta. O livro considerado ponto de partida da revolução astronômica, elevaram Galileu repentinamente ao cume da glória. Essas descobertas e o impacto de novas idéias, imprimiu silêncio e retraimento a Igreja. Profunda crise sobre seus valores tradicionais eclodiu entre cientistas, artistas e filósofos do Renascimento (séculos XV e XVI) Conflitos religiosos que atendiam interesses econômicos, sociais e políticos, dilaceravam a Europa. As condenações de Giordano Bruno e Galileu mostravam uma Igreja cruel, opressora, obscurantista e durante séculos foram um obstáculo nas suas relações com a comunidade científica. Contribuindo ainda mais para isso, Charles Darwin (1809-1882), dava a conhecer suas descobertas sobre a “Origem das Espécies pela Seleção Natural” que seria a pá de cal do homem como centro da Criação e a obra mais perfeita do Criador. Com a comprovação da evolução, terminava o homem de barro e a mulher da costela. Em 1822 a Igreja admitiu oficialmente que a Terra girava ao redor do Sol. Em 1835 as obras de Galileu sobre o heliocentrismo foram retiradas do Index e em 1984 o processo Galileu foi revisto pelo papa João Paulo II. Em 31/10/1992, o mesmo papa reconhece que a Igreja havia errado ao condenar Galileu. Interessante saber que todo o processo foi por influência de dois brasileiros: o biofísico carioca Carlos Chagas Filho e o físico mineiro Francisco Magalhães Gomes. O primeiro, presidente da Pontifícia Academia de Ciências do Vaticano e o segundo, um dos maiores conhecedores de história da ciência no País. Ao final, fica a pergunta: porque a Igreja silenciou tanto tempo sobre o erro cometido condenando Galileu e permanece omissa ao condenar Giordano Bruno por afirmar existir no universo infinitos mundos muitos dos quais habitados? Não é conhecido dela que no século XV, com plena anuência do papa Eugenio IV, o cardeal Nicolau de Cuza defendia a mesma opinião como também mais tarde São Gregório de Nissa e Tertuliano?