Ele está de volta

Nelson Alberto Soares Travnik
nelson-travnik-@hotmail.com
Observatório Astronômico de Piracicaba Elias Salum – SP

Não há como negar o fascínio que Marte exerce sobre a humanidade há milhares de anos. Nessa terça-feira 31, ele estará cumprimentando a Terra a 57.750.000 km, algo que somente irá se repetir em 2035.

Após 15 anos, Marte o “Deus da Guerra” está no céu. Não há como não notar aquela brilhante “estrela” como um fogaréu luminoso, que surge a leste logo ao anoitecer. Seu brilho só é suplantado por Vênus a oeste  logo ao por do Sol.

Na antigüidade Marte por sua coloração avermelhada foi associado a sangue, guerras, epidemias e destruição. Liberto dos liames que o ligavam a esses presságios, a introdução dos meios ópticos antes de serenar as mentes, iria provocar uma avalanche de especulações e acirradas discussões. Sua semelhança com a Terra era notável: mesmo sistema de rotação, mesma alternância de estações e duas alvas calotas polares. Astrônomos famosos como o italiano Giovanni Virginio Schiaparelli (1835-1910) , o francês Camille Flammarion (1842-1925) e o americano Percival Lowell (1855-1916), endossaram a possibilidade da existência de vida avançada em Marte. 

E tudo começou aqui no Brasil com o astrônomo francês Emmanuel Liais (1826-1900) contratado por D. Pedro II para dirigir o Imperial Observatório do Rio de Janeiro. Ele argumentava que as manchas escuras vistas em Marte eram resultado da presença de vegetação que mudavam de cor por razões sazonais. E onda há vegetação há vida! O estopim estava aceso e era difícil não se deixar envolver pelo fascínio que tal hipótese exercia. E, de fato, ela foi rapidamente adotada pela opinião pública. Finalmente surgiam indícios da existência de alguma forma de vida extraterrestre. E foi o suficiente para que surgissem os marcianos, os homenzinhos verdes de Marte que mais tarde iriam gerar uma receita milionária em livros, filmes, TV e até na musica.  

Mas nem todos os astrônomos partilhavam essa teoria uma vez que, decifrar àquela época os enigmas marcianos, era extremamente difícil mesmo vendo esse planeta mais próximo e com os maiores telescópios, não se via melhor que a Lua a olho nu. Quem tentar enxergar alguma coisa na Lua a olho nu,  compreenderá o problema de Marte. Apesar da entrada em cena de grandes telescópios como o de Monte Palomar nos Estados Unidos, faltava o golpe final nessa polêmica e ele veio com as sondas americanas Mariner 4 em 1965 e as Mariner 6 e 7 em 1969. Pela primeira vez mostraram enormes cones de extintos vulcões, um cem número de crateras de impacto, uma região desértica e uma atmosfera extremamente rarefeita. Da vegetação e dos marcianos nem sinal! 

Estava encerrado finalmente um dos mais acirrados e calorosos debates na história da ciência. Segundo projetos das agências espaciais, o homem colocará os pés em Marte em 2030, confirmando as palavras proféticas do russo Tsiolkovsky: “A Terra é o berço da humanidade, mas não se pode viver eternamente no berço”. O grande problema da água em Marte será resolvido no subsolo onde acreditasse ter muita água. Outro problema será como se proteger das radiações letais que vem do espaço.  Recentemente essas e outras questões tomou nova dimensão com a descoberta de um lago de 20 quilômetros com presença abundante de magnésio, cálcio e sódio a 1,5 km de profundidade na região da calota polar sul. Foi detectada forte salinidade que entretanto poderá ser resolvida. A importância de ir a Marte é ver o que aconteceu com aquele planeta há 3,5 bilhões de anos quando lá havia rios, lagos e provavelmente oceanos. Marte e a Terra nasceram juntos e até certa fase trilharam evolução semelhante. 

Nessa época na Terra a vida começou a fluir nas tépidas águas dos oceanos primitivos. Teria acontecido o mesmo em Marte? Se aconteceu, porque foi interrompida? Como mudou sua evolução sofrendo uma violenta degradação? O que a motivou? É o que cientistas querem descobrir como exemplo para a Terra caso persista a agressão desenfreada ao meio ambiente.  As futuras missões espaciais poderão talvez descobrir fósseis de alguma forma de vida que lá existiu, possibilitando explicar em parte esse intrigante mistério. 

Nelson Travnik é diretor Observatório Astronômico de Piracicaba e Membro Titular da Sociedade Astronômica da França. 
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