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domingo, 1 de janeiro de 2012

A Queda de Inventos Aeroespaciais e a Responsabilidade Cívil

José Márcio de Almeida
josemarciodealmeida@yahoo.com.br
Advogado - Belo Horizonte - MG

Lendo o interessante artigo do astrônomo mineiro Antônio Rosa Campos (1) acerca do retorno, ou melhor, sobre a queda da sonda russa Phobus-Grunt lançada ao espaço no dia 08 de novembro último, chamou-nos a atenção o anúncio da criação e comercialização, à época, pela Companhia de Seguros Previdência do Sul, de um seguro contra a queda dos restos do satélite Skylab.

Antes da reentrada na atmosfera terrestre dos restos do satélite Skylab, a exemplo do acontece agora com a Phobus-Grunt, não era e não é possível precisar quando e onde os fragmentos cairiam ou irão cair. Quanto à Phobus-Grunt sabe-se apenas que cairá na Terra entre os dias 06 e 19 de janeiro de 2012.

Não tenho notícia de que hoje seja comercializada outra apólice de seguro que vise nos resguardar sobre o eventual dano causado pela queda de parte do aludido satélite, aliás, pouco se fala na grande mídia acerca do episódio. Sem a cobertura de um seguro, ficamos tentados a esclarecer de quem seria a responsabilidade se eventualmente restos do satélite viesse a cair sobre o solo brasileiro.

O Brasil é membro, desde a sua fundação em 1959, do Comitê da ONU para o Uso Pacífico do Espaço, o COPUOS, o que significa dizer que nosso país participou da elaboração dos principais tratados, convenções e resoluções sobre os temas relacionados à utilização do espaço sideral.

Dos cinco principais tratados, assinamos e ratificamos três, quais sejam: o Tratado sobre os Princípios Reguladores das Atividades dos Estados na Exploração e Uso do Espaço Exterior, inclusive a Lua e demais Corpos Celestes, de 1967, o Acordo sobre Salvamento de Astronautas e Restituição de Astronautas e Objetos lançados ao Espaço Exterior, de 1968 e a Convenção sobre Responsabilidade Internacional por Danos Causados por Objetos Espaciais, de 1972.

Nosso ordenamento jurídico, por meio da Constituição da República de 1988 (2) prevê que cabe ao Congresso Nacional resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais de que o Brasil seja signatário. Assim, o Congresso Nacional aprova, ou não, e após o Presidente da República o ratifica. Em apertada síntese, podemos dizer que, ratificado o tratado, este passa a vigorar, no ordenamento jurídico nacional, como norma jurídica paritária, ou seja, torna-se um paradigma para as leis nacionais e diplomas jurídicos de grau equivalente.

Entretanto, cumpre-nos ressalvar que o Brasil não assinou a Convenção sobre Registro de Objetos lançados ao Espaço Exterior, de 1975, nem o Acordo sobre as Atividades dos Estados na Lua e nos Corpos Celestes, de 1979.

Quero acreditar que as apólices de seguros de vida, de veículos ou de imóveis não contemplem, em suas coberturas, os danos causados por quedas de satélites artificiais lançados ao espaço sideral. Ora, em sendo assim, não teríamos um diploma jurídico que nos socorresse se, eventualmente, parte da sonda Phobus-Grunt caísse sobre um ente querido ou sobre bem de nossa propriedade?

Ainda que a probabilidade matemática de que tal evento venha a ocorrer seja mínima, razoável que nos rendamos à seara romântica que o tema suscita.

Mas, e o espaço aéreo nacional? Afinal, o objeto cairá do céu!...

O denominado espaço aéreo nacional é uma faixa atmosférica que se sobrepõe ao território do país até o limite de 100 km de altitude, o que exclui, portanto, os objetos, satélites, foguetes e sondas que orbitam acima deste limite.

O interessante é que alguns países localizados na faixa equatorial do globo tentaram, em vão, incluir, como parte permanente de seus territórios a parte da órbita geoestacionária situada acima de seus respectivos territórios. Contudo, o entendimento geral entre as nações é o de que o espaço exterior não pode ser objeto de apropriação nacional.

E então: quem responsabilizar se, por sorte ou azar, tivéssemos um bem nosso atingido pela queda de qualquer objeto proveniente do espaço sideral?

Dispõe o Código Civil brasileiro, em seu Artigo 186 que “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. O mesmo diploma legal, em seu Artigo 927, preceitua que “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a indenizar”.

Intrincado o tema. Se se trata de um invento fabricado e lançado ao espaço sideral por Estado Estrangeiro, como é o caso sob análise, deverá o interessado “lesado” demandar em face de pessoa jurídica de direito público externo, ou seja, o país que fabricou o invento?

Se assim o fosse, a competência para processar e julgar a pretensão, será da Justiça Federal (3) , entretanto, duas outras questões se sobrepõem. A primeira é como citar o ente Estrangeiro dos termos e fundamentos da ação. Não se faz possível citá-lo por via postal (Art. 222, alínea “C” do Código de Processo Civil) e também não se faz aconselhável citá-lo por oficial de justiça em face do que dispõe a Convenção de Viena Sobre Relações Diplomáticas promulgada pelo Decreto n.º 56.435 de 06 de junho de 1965). Nesta hipótese o juiz federal deverá solicitar ao Chefe do Departamento Consular e Jurídico do Ministério das Relações Exteriores que proceda à citação.

Superada esta dificuldade inicial, deveremos nos ater à segunda questão, qual seja: Estado estrangeiro ou o organismo internacional podem ser demandados perante o juiz federal quando se tratar de litígios decorrentes de relações rotineiras entre o Estado estrangeiro, representado por seus agentes, e os súditos do país em que atuam (Art. 109, inciso II da Constituição da República). Ora, a queda de restos de um satélite artificial em órbita espacial não pode ser considerada como uma relação rotineira.

Devemos entender por relações rotineiras aquelas decorrentes de relações de trabalho, de atos de comércio e de outros atos de gestão praticados pelo Estado estrangeiro. Entretanto, o Art. 88, incisos II e III do Código de Processo Civil nacional, dispõe que é competente a autoridade judiciária brasileira quando no Brasil tiver de ser cumprida a obrigação e a ação se originar de fato ocorrido ou de ato praticado no Brasil. E mais, o Art. 12, parágrafo 1.º da Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-Lei n.º 4.657 de 04 de setembro de 1942), preceitua, inequivocadamente, que “só a autoridade judicial brasileira compete conhecer das ações relativas a imóveis situados no Brasil”. O mesmo diploma, em Seu Art. 17 arremata: “As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes”. E então?

Perdoe-nos, o leitor amigo, após tão superficial abordagem, a conclusão que pretendemos apresentar, visto que não esgota a análise de todos os aspectos relevantes e relacionados ao tema, que reconhecemos não termos a competência necessária para tal.

Entendemos, em face da teoria da responsabilidade objetiva do Estado, que, no caso de danos causados pela eventual queda de destroços do satélite Phobus-Grunt, ou de qualquer outro, quem deve ser demandado é a União Federal, pois a ela cabe como vimos, por meio do Congresso Nacional e da Presidência da República a ratificação dos tratados e convenções internacionais. À União também compete assegurar a defesa nacional (Art. 21, inciso III da Constituição Federal) e explorar diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão a navegação aérea, aeroespacial e a infra-estrutura aeroportuária (Art. 21, inciso XII, alínea “c” da Constituição Federal).

Ainda que do ponto de vista jurídico possamos travar um grande e acalorado debate, o melhor mesmo é torcermos para que os restos do Phobus-Grunt caiam em alguma área inabitada do planeta e, preferencialmente, bem longe do nosso querido Brasil.


Referências:

(1) - CAMPOS, Antônio Rosa. O Retorno da Phobus-Grunt. Disponível em: <http://sky-observers.blogspot.com/2011/12/o-retorno-da-phobos-grunt.html>. Acesso em 24 dez 2011.

(2) - Artigo 49 da Constituição Federal de 1988 – É da competência exclusiva do Congresso Nacional: I – resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional.

(3) - Artigo 109 da Constituição Federal – Aos juízes federais compete processar e julgar: (...) II – as causas entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e município ou pessoa domiciliada ou residente no País;


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