Largue o cel e olhe para o céu #16

 Grande Nuvem de Magalhães


Para que você possa guardar um resumo sobre o assunto desta coluna, baixe gratuitamente a ficha que contém dados astronômicos sobre o objeto em foco, de forma que possa sempre consultá-los quando precisar. Você pode baixar o arquivo aqui: Ficha de Catalogação #015 – Grande Nuvem de Magalhães

GNM é conhecida como a Grande Nuvem de Magalhães (em inglês, Large Magellanic Cloud (LMC)) e se localiza entre as constelações de Mensa (Meseta, em português) e Dorado (Dourado, em português). Assim, serão apresentadas primeiramente informações sobre essas constelações. 

Diferentemente das outras constelações apresentadas nas edições anteriores desta coluna, elas não possuem sua origem relacionada às mitologias grega e romana. Mensa (Figura 1) foi inventada pelo astrônomo francês Nicolas Louis de Lacaille, visando comemorar a Table Mountain, perto da cidade do Cabo (África do Sul), local de onde catalogou as estrelas do sul. Originalmente, Lacaille deu-lhe o nome Montagne de la Table, na primeira versão de seu planisfério publicada em 1756, sendo posteriormente latinizado para Mons Mensae, em 1763. Em 1844, o astrônomo inglês John Herschel sugeriu tratar-lhe apenas por Mensa e desde então é conhecida como tal. Ela contém parte da GNM, que dá à Mensa a sensação de ser coberta por uma nuvem branca, como a chamada nuvem “toalha de mesa”, às vezes visualizada sobre a verdadeira Table Mountain. As estrelas mais brilhantes dessa constelação são de quinta magnitude. Já Dorado (Figura 1) foi introduzida no final do século XVI, pelos navegadores holandeses Pieter Dirkszoon Keyser e Frederick de Houtman. Ela representa o colorido peixe-golfinho Coryphaena hippurus (também conhecido como mahi-mahi), que pode ser encontrado em águas tropicais. É diferente do peixe dourado, comumente encontrado em lagos e aquários. Exploradores holandeses observaram esses grandes peixes predadores perseguindo os peixes voadores. Portanto, Dorado foi colocado no céu seguindo a constelação dos peixes voadores, Volans (RIDPATH, 2018).
 
Figura 1 – Constelações de Mensa e Dorado, conforme visualizadas no software Stellarium. Fonte: (STELLARIUM DEVELOPERS, 2020a)

Mensa pode ser vista nas latitudes entre +4° e -90° e Dorado entre +20° e -90°, tendo como constelações vizinhas Octans, Hydrus, Reticulum, Horologium, Caelum, Pictor, Volans e Chamaeleon (STELLARIUM DEVELOPERS, 2020a)(Figura 2).

Figura 2 – Mensa e Dorado, com suas constelações vizinhas Octans, Hydrus, Reticulum, Horologium, Caelum, Pictor, Volans e Chamaeleon conforme visualizadas no software Stellarium. A linha branca delimita a área de cada constelação. Fonte: (STELLARIUM DEVELOPERS, 2020a).

A primeira menção conhecida da GNM foi do astrônomo persa Al Sufi em seu ‎‎Livro das Estrelas Fixas‎‎. Ela também faz parte do conto aborígene australiano de Jukara, referente a um casal de idosos que se alimentava de peixes do rio do céu, a Via Láctea. A GNM representa o acampamento de um velho, enquanto o acampamento de sua esposa é representado pela Pequena Nuvem de Magalhães (CONSTELLATION GUIDE, 2014).‎

Posteriormente, graças ao diário do escritor italiano Antonio Pigafetta, que participou da viagem de circum-navegação pelo mundo juntamente com Fernão de Magalhães, as nuvens de Magalhães se tornaram conhecidas: 
“O Polo Antártico não tem as mesmas estrelas que o Ártico. Veem-se ali duas aglomerações de estrelinhas luminosas que parecem pequenas nuvens, a pouca distância uma da outra.[6] Em meio a essas aglomerações de estrelas, se destacam duas muito grandes e muito brilhantes, mas cujo movimento é pouco aparente. As duas indicam o Polo Antártico." (PIGAFETTA, 2006, p.69).
A nota [6] acima referenciada no diário foi escrita por Carlos Amoretti, um dos maiores estudiosos dos diários de Pigafetta e baseou-se no manuscrito original do diário da viagem de circum-navegação. Amoretti detalha um pouco mais a informação fornecida por Pigafetta (Figura 3): 
“[6]. Duas nuvenzinhas, isto é, duas aglomerações de estrelas assinaladas pelos astrônomos no polo austral. Uma em cima e outra embaixo da constelação de Hidra. Vê-se perto do polo muitas estrelas que formam a constelação de Octante, porém, como estas estrelas são de quinta e de sexta magnitude, tudo indica que as duas estrelas grandes e brilhantes de que fala Pigafetta são a Alfa e a Beta desta mesma Hidra (PIGAFETTA, 2006, p.100).
Observando-se uma carta celeste, percebe-se que a constelação de Hidra à qual Amoretti se refere é a Hidra Macho (Hydrus). Na Figura 3 abaixo, mostram-se os detalhes descritos por ele na citação acima. 

Figura 3 - Posição da Pequena e Grande Nuvem de Magalhães na constelação Hydrus e das estrelas Alpha Hydri e Beta Hydri, conforme a nota [6] de Carlos Amoretti. Fonte: (PIGAFETTA, 2006), (STELLARIUM DEVELOPERS, 2020b).

Para as tribos tupi-guarani, as constelações são compostas por estrelas e pelas manchas claras e escuras da Via Láctea e, em alguns casos, apenas as manchas já compõem uma constelação por si só. Este é o caso da Grande Nuvem de Magalhães. Para eles, trata-se de uma constelação, conhecida como Bebedouro da Anta (Tapi’i Huguá) (AFONSO, 2006).

Com dimensão aparente de 10,75° × 9,17°, GNM está distante cerca de 163.000 anos-luz de distância do sistema solar. Ela compõe, juntamente com a Pequena Nuvem de Magalhães e a Via Láctea, o Grupo Local, um conjunto de cerca de 30 galáxias localizadas na mesma região. Sua magnitude aparente corresponde a 0.9 e a parte visível dessa galáxia tem cerca de 17.000 anos-luz de diâmetro.‎ É classificada como uma galáxia anã irregular por causa de sua aparência, provavelmente resultante de suas interações com a Via Láctea e com a Pequena Nuvem de Magalhães (PNM), localizada na ‎‎constelação de Tucana.‎‎ Possui uma barra destacada em sua região central, o que indica que ela pode ter sido anteriormente uma galáxia espiral barrada.‎ Entretanto, para alguns, parece haver um indício de que tenha uma estrutura espiral barrada distorcida, provavelmente devido à influência gravitacional da Via Láctea. ‎As Nuvens de Magalhães são interligadas por uma ponte de gás, que é uma região de formação de estrelas ativas entre as duas galáxias, o que indica que elas estão interagindo (CONSTELLATION GUIDE, 2014).
 
Figura 4 - Grande Nuvem de Magalhães - Crédito da foto: ESO (ESO, 2019).

Figura 5 - Localização da Grande Nuvem de Magalhães entre as constelações de Mensa e Dorado. Fonte: (STELLARIUM DEVELOPERS, 2020a)

Para localizar GNM, procure primeiramente a estrela Canopus ligando-a à estrela Achernar (Figura 6). GNM estará ao sul desta linha, estando localizada a cerca de 22 graus do Polo Celeste Sul. ‎No Hemisfério Norte, apenas observadores ao sul de cerca de ‎‎20 graus de latitude norte‎‎ podem ser capazes de observá-la. Isso exclui a América do Norte (exceto o sul do México), Europa, norte da África e norte da Ásia (SESSIONS, 2020). ‎

Figura 6 - Localização da Grande Nuvem de Magalhães em relação às estrelas Canopus e Achernar. Fonte: (STELLARIUM DEVELOPERS, 2020a)

Visível a olho nu, a GNM pode ser mais facilmente localizada em um céu escuro. Contém dezenas de aglomerados e nebulosas de emissão contra uma névoa de luz de fundo e estrelas salpicadas em primeiro plano. Preenche uma região aproximadamente oval com cerca 5° de largura e 7° de comprimento. Mesmo utilizando baixa potência, isso equivale a cerca de cinquenta campos de visão do telescópio, com muitas nuvens luminosas, manchas brilhantes e partes mais escuras, salpicadas de aglomerados de estrelas. Utilizando-se um telescópio dobsoniano ou um pequeno telescópio, podem ser vistos 47 objetos catalogados pelo NGC: NGC 1711, NGC 1727, NGC 1743, NGC 1755, NGC 1786, NGC 1835, NGC 1837, NGC 1845, NGC 1847, NGC 1850, NGC 1854, NGC 1856, NGC 1858, NGC 1872, NGC 1874, NGC 1901, NGC 1910, NGC 1934, NGC 1962, NGC 1967, NGC 1974, NGC 1983, NGC 1986, NGC 1994, NGC 2001, NGC 2009, NGC 2014, NGC 2015, NGC 2031, NGC 2032, NGC 2033, NGC 2042, NGC 2044, NGC 2048, NGC 2055, NGC 2060,  NGC 2070, NGC 2074, NGC 2077, NGC 2079, NGC 2080, NGC 2081, NGC 2086, NGC 2098, NGC 2100, NGC 2103 e NGC 2122 (CONSOLMAGNO; DAVIS, 2018).

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Referências:

AFONSO, Germano Bruno. Mitos e estações no céu tupi-guarani. Scientific American Brasil, [s. l.], v. 4, n. 45, p. 46–55, 2006. Disponível em: https://www.mat.uc.pt/mpt2013/files/tupi_guarani_GA.pdf. Acesso em: 29 out. 2020.

CONSOLMAGNO, Guy; DAVIS, Dan M. Turn left at Orion. 5. ed. Great Britain: Cambridge University Press, 2018. E-book.

CONSTELLATION GUIDE. Grande Nuvem de Magalhães. [S. l.], 2014. Disponível em: https://www.constellation-guide.com/large-magellanic-cloud/. Acesso em: 30 out. 2020. 

ESO, VMC Survey. A Grande Nuvem de Magalhães observada pelo VISTA. [S. l.], 2019. Disponível em: https://www.eso.org/public/brazil/images/eso1914a/. Acesso em: 26 dez. 2020. 

PIGAFETTA, Antonio. A Primeira Viagem ao Redor do Mundo. Tradução: Jurandir Soares dos Santos. [S. l.]: L&PM Pocket, 2006. 

RIDPATH, Ian. Star Tales. 2. ed. Cambridge: The Lutterworth Press, 2018. 

SESSIONS, Larry. The Large Magellanic Cloud, our galactic neighbor. [S. l.], 2020. Disponível em: https://earthsky.org/clusters-nebulae-galaxies/the-large-magellanic-cloud. Acesso em: 26 dez. 2020. 

STELLARIUM DEVELOPERS. Constelações de Mensa e Dorado. Versão 0.20.3. Boston: Stellarium.org, 2020a. Stellarium. 

STELLARIUM DEVELOPERS. Posição da Pequena e Grande Nuvem de Magalhães na constelação Hydrus. Versão 0.20.3. Boston: [s. n.], 2020b. Stellarium. 

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