A vingança de Giordano

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Observatório Astronômico de Piracicaba Elias Salum

Recentemente o noticiário internacional destacou a descoberta de um exoplaneta na zona habitável orbitando a estrela Alpha Centauri C ou, simplesmente Próxima, nossa vizinha no espaço a “apenas” 4,22 anos-luz. 

Alpha Centauri é uma estrela tripla: duas são muito brilhantes A e B e a terceira C é uma massiva anã vermelha apenas com diâmetro uma vez e meia maior que Júpiter. Com uma magnitude de +11.05 torna-se muito difícil de ser localizada. Estima-se que gasta alguns milhões de anos para completar uma volta em torno das suas companheiras A e B. Se a noticia provocou impacto nos leigos, para os astrônomos não causou nenhuma surpresa uma vez que em 3000 exoplanetas pesquisados, 68 são próximos ao tamanho da Terra e estão na zona habitável. Desde a descoberta do primeiro exoplaneta em 1990, seu número atual está próximo a 5000 e não para de crescer. Com isto já é aceito que a maioria das estrelas possuem planetas ao seu redor e, por analogia, também possuirão satélites, asteróides e cometas. Esse raciocínio leva-nos a conclusão que pode haver civilizações lá fora que já chegaram a um estágio de desenvolvimento suficiente para emitir ondas de rádio. Assim sendo, já é aceito que nos próximos 25 anos através das gigantescas antenas dos nossos radiotelescópios chegará a tão aguarda mensagem: também estamos aqui!

Somos Poeira de Estrelas

Os cientistas concordam que somos subproduto de água, terra, luz e outros elementos gerados no interior de uma estrela: o Sol. Dez por cento do peso médio do corpo humano é composto por átomos de hidrogênio. Todo o resto é de elementos mais pesados que o hélio, justamente aqueles produzidos dentro das estrelas. A descoberta de diversas moléculas orgânicas no meio interestelar, gelo e carbono nos cometas e astros assemelhados, reforça a idéia de que o universo é um celeiro de vida. A nucleosíntese primordial e a nucleosíntese estelar produziram elementos que fazem parte dos nossos corpos. Sim, somos feitos de poeira de estrelas!

O renascer de uma ideia antiga

A possibilidade de existir outros mundos com formas de vida é antiga e na Grécia já se pensava nisso. A Escola de Epícuro (341 -271) ensinava que não havia nenhum obstáculo para haver infinito número de mundos parecidos com o nosso. O poeta romano Titus Lucretio (97 -55) defendia igual pensamento. No século XV o cardeal Nikolaus de Cusa sustentava a pluralidade dos mundos habitados com anuência do Papa Eugênio IV. Com a reformulação do sistema heliocêntrico por Nicolau Copérnico (1473-1543), endossada a seguir por Galileu Galilei (1564-1642) e Johannes Kepler (1572-1630), o fato atingiu em cheio as “verdades” impostas pela Igreja. Destronar a Terra do centro do sistema solar, do universo, da criação, indo de encontro aos doutores da Igreja era inadmissível, uma heresia. O curioso é que já muito antes de Copérnico, o astrônomo grego Aristarco de Samos (310 -230) demonstrava que a Terra e os outros planetas giravam ao redor do Sol e que o movimento das estrelas à noite era aparente, causado pela rotação da Terra. Copérnico salvou-se da Inquisição pois seu livro propondo o heliocentrismo só lhe chegou ás mãos no leito de morte. Galileu contudo não teve a mesma sorte e teve que se retratar perante o Tribunal da Santa Inquisição para  escapar da fogueira. A pena foi abrandada para prisão domiciliar em Arcetri, próximo a Florença. Foi necessário dois séculos para que a Igreja admitisse oficialmente em 1822 que a Terra girava ao redor do Sol.

Giordano Bruno, Mártir da Ciência

Um destino trágico contudo estava reservado a Giordano Bruno (1548-1600). Fascinado pela imensidão do universo que os astrônomos de sua época estavam revelando contrapondo ao universo fechado pela filosofia aristotélica defendida pela Igreja, ele opôs um universo infinito. Defensor da teoria heliocêntrica de Aristarco e Copérnico, ele chegou a admitir também a existência de outros mundos.  Em seu livro “De l’ Infinito, Universo e Mondi”, Acerca do Infinito, Universo e Mundos, ele escreveu : “há incontáveis terras orbitando em volta de seus sóis da mesma maneira que os seis planetas do nosso sistema”. Para a Igreja isso soou inadmissível pois era ir de encontro ao que ela defendia. Ademais, se existiam infinitos mundos, muitos deles habitados, como seria a “salvação” dos seus habitantes? Uma réplica do que ocorreu aqui?  Giordano Bruno com a coragem dos heróis, enfrentou com altivez o Tribunal da Santa Inquisição não se retratando de suas convicções e o que ditava sua consciência.  Foi acusado de ser inimigo de todas as religiões, crer na existência de outros mundos e na infinidade do universo. Sofreu um processo que durou sete anos e no dia 9 de fevereiro de 1600, condenado por sua “heresia”, foi queimado vivo no Campo di Fiori em Roma tendo exclamado antes do suplício : “Minha alma subirá ao Paraíso junto com a fumaça do meu corpo”. Giordano Bruno, espírito renovador, alma límpida, apóstolo da ciência do céu, não se deixou intimidar pelas ameaças vindas de uma Igreja fechada as novas idéias do movimento renascentista e corroída por escândalos e dogmas que feriam a razão. Passados 416 anos, desde 1990 a astronomia nos vem revelando a pluralidade dos mundos em nossa galáxia comprovando Giordano Bruno e que a fé nunca pode estar divorciada dos conhecimentos científicos. 

O autor é astrônomo no Observatório Astronômico de Piracicaba Elias Salum e Membro Titular da Sociedade Astronômica da França.
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