Ricardo José Vaz Tolentino
Observatório Lunar Vaz Tolentino
Um trânsito é o evento astronômico, observado a partir de um ponto de vista específico, que ocorre quando um corpo celeste A move-se através da face de um corpo celeste B, escondendo uma pequena parte do corpo celeste B.
No evento de 09 de maio de 2016, envolvendo o planeta Mercúrio e o Sol, a partir do ponto de vista aqui da Terra, o trânsito ocorreu quando Mercúrio passou em frente ao disco brilhante do Sol.
Trânsitos são eventos astronômicos raros. No caso de Mercúrio, existem em média, treze trânsitos a cada século. O último trânsito de Mercúrio ocorreu em 08 de novembro de 2006 e o próximo será em 11 de novembro de 2019, para depois ocorrer em 13 de novembro de 2032. Durante o trânsito, o planeta pode ser visto como um pequeno disco preto, movendo-se lentamente em frente ao hemisfério solar visível.
Imagem: Foto do trânsito de Mercúrio obtida através das nuvens em 09 de maio de 2016, 09:20:35, utilizando telescópio refrator APO Orion EON 120mm, Celestron Ultima 2X barlow, filtro luz branca Celestron Omni 120 e câmera Orion StarShoot Solar System Color Imaging Camera IV – apenas 1 frame - VTOL.
O trânsito de Mercúrio só acontece se o planeta estiver em conjunção inferior com o Sol (entre a Terra e o Sol). Além disso, também é necessário que Mercúrio cruze com o plano orbital da Terra (eclíptica). O ponto de cruzamento da órbita do planeta com o plano da eclíptica é chamado de nodo, e pode ser ascendente ou descendente.
Estamos mais acostumados, devido à frequência, a observar os trânsitos das luas galileanas em frente ao disco do planeta Júpiter. Porém, no caso específico de planetas, somente as órbitas de Mercúrio e Vênus ocorrem no interior da órbita da Terra. E, por isso, são os únicos planetas que podem passar entre a Terra e o Sol para produzir um trânsito.
Imagem: Composição fotográfica mostrando o trânsito quase tangencial d
a lua Europa de Júpiter. Fotos obtidas em 26 de junho de 2016, iniciando às 04:49:15 – VTOL.
A órbita de Mercúrio é altamente excêntrica, ou seja, sua órbita se distancia da forma circular, traçando um trajeto bastante elíptico. A excentricidade orbital normalmente é representada por valores entre 0 e 1 (o valor 0 representa uma órbita circular). No caso de Mercúrio ela vale 0,2056 e no caso da Terra vale 0,0167. A excentricidade da órbita de Mercúrio faz com que a distância do pequeno planeta ao Sol possa variar aproximadamente de 46 milhões de quilômetros a 70 milhões de quilômetros.
Além disso, a órbita de Mercúrio possui inclinação de 7,004° em relação à órbita da Terra em torno do Sol (eclíptica). Tais órbitas (Mercúrio e Terra), que são extremamente diferentes e inclinadas, trazem consequências importantes sobre as particularidades e a frequência dos trânsitos de Mercúrio, tornando-os raros.
Nos tempos atuais, a órbita de Mercúrio atravessa o plano orbital de nosso planeta no início de maio (nodo descendente) e no início de novembro (nodo ascendente) de cada ano. Nesses momentos, se coincidir de Mercúrio estar passando entre a Terra e o Sol, um trânsito ocorrerá.
Imagem: Foto do trânsito de Mercúrio obtida através das nuvens em 09 de maio de 2016, 09:14:20, utilizando telescópio refrator APO Tele Vue 85, Celestron Ultima 2X barlow, filtro luz branca Celestron Omni 102 e câmera Orion StarShoot Solar System Color Imaging Camera IV – apenas 1 frame - VTOL.
Em maio Mercúrio está próximo ao afélio (ponto de órbita mais afastado do Sol) e, por isso, move-se mais lentamente em sua órbita. Em novembro ele está próximo do periélio (ponto da órbita mais perto do Sol) e, por isso, move-se mais rápido em sua órbita.
No periélio, a velocidade orbital de Mercúrio atinge 59,0 km/s, valor esse que é 50% mais rápido do que no afélio, que atinge 38,9 km/s.
Os trânsitos de novembro tem o dobro da frequência dos de maio. Durante o transito de maio, Mercúrio está próximo do afélio (move-se lentamente) e durante o transito de novembro, Mercúrio está próximo do periélio (move-se mais rápido).
Imagem: Foto do trânsito de Mercúrio obtida através das nuvens em 09 de maio de 2016, 09:14:20, utilizando telescópio solar refrator Coronado PST (filtro H-Alpha) e câmera Orion StarShoot Solar System Color Imaging Camera IV – apenas 1 frame - VTOL.
Os trânsitos de maio ocorrem no nodo descendente da órbita de Mercúrio. Nos trânsitos de maio (afélio – mais afastado do Sol e mais próximo da Terra), Mercúrio apresenta um diâmetro angular de 12 arco-segundos e o Sol apresenta diâmetro angular de 1902 arco-segundos. Nessa época, Mercúrio mostra-se com um tamanho de aproximadamente 1/158 do tamanho do Sol, quando visto da Terra.
Os trânsitos de novembro ocorrem no nó ascendente da órbita de Mercúrio. Nos trânsitos de novembro (periélio – mais próximo do Sol e mais afastado da Terra), Mercúrio apresenta um diâmetro angular de 10 arco-segundos e o Sol apresenta 1937 arco-segundos. Nessa época, Mercúrio possui um tamanho de aproximadamente 1/194 do tamanho do Sol, quando visto da Terra.
De acordo com o astrônomo Nelson Travnik, os nodos são cruzados próximo aos dias 7 de maio e 9 de novembro e os trânsitos somente podem ocorrer próximos a esses dias. A diferença principal é que nos trânsitos de maio, Mercúrio está mais próximo da Terra e seu semi-diâmetro é um pouco maior que os trânsitos de novembro. Devido a excentricidade da órbita do planeta, a mais forte do sistema solar, 0,205, os trânsitos de novembro são duas vezes mais numerosos que os de maio.
Imagem: Composição fotográfica do trânsito de Mercúrio obtida através das nuvens em 09 de maio de 2016, 09:40:32 (foto maior) e 09:35:15 (foto menor), comparando o diâmetro angular de Mercúrio com a mancha solar AR 2542, que estava presente durante o trânsito. AR 2542 apresentava-se como um grupamento de 8 manchas, cpm tamanho 100 MH e classe magnética β (grupo de manchas solares que possuem polaridade positiva e negativa (bipolar), com uma simples divisão entre as polaridades). As fotos foram obtidas com o uso do telescópio refrator APO Orion EON 120mm, Celestron Ultima 2X barlow, filtro luz branca Celestron Omni 120 e câmera Orion StarShoot Solar System Color Imaging Camera IV – apenas 1 frame - VTOL.
Os principais eventos que ocorrem durante um trânsito são os contatos. Os contatos I e II definem a fase de entrada, enquanto os contatos III e IV definem a fase de saída.
O trânsito começa com o contato I, que é o instante em que o disco do planeta tangencia externamente o limbo do Sol. No contato II, o disco inteiro do planeta é visto pela primeira vez, quando o planeta é tangencia internamente o limbo do Sol. Durante as próximas horas a silhueta escura do planeta atravessa lentamente o disco solar brilhante. No contato III, o planeta atinge o limbo oposto do Sol e mais uma vez tangencia internamente o Sol. O trânsito termina no contato IV, quando o limbo do planeta tangencia externamente o limbo do Sol.
No trânsito de 09 de maio de 2016, o planeta Mercúrio cruzou o disco solar numa direção descendente, de Nordeste para Sudoeste. O trânsito pôde ser visto de qualquer lugar na Terra onde o Sol estivesse acima do horizonte no momento do evento.
Em Belo Horizonte / MG, durante todo o período do trânsito de Mercúrio de 09 de maio de 2016, o céu permaneceu muito nublado, impossibilitando os registros de todos os contatos. Infelizmente, somente conseguimos obter algumas fotos do evento através das nuvens, o que diminuiu a quantidade de registros e também a qualidade dos mesmos.
De acordo com o Prof. Vaz Tolentino (Observatório Lunar Vaz Tolentino - onde as fotos do trânsito de Mercúrio presentes neste texto foram obtidas - LAT: 19º 55’ 40.6” S, LON: 043º 55’ 04.1” W, ALT: 898m) e com o Astrônomo Antônio Campos do CEAMIG, não foi possível cronometrar os instantes I, II, II e IV (parte integrante do projeto do astrônomo Hélio Vital) devido às condições de nebulosidade reinantes "sobre a vertical de Belo Horizonte-MG".
Relatos de Alexandre Amorim (Estação Costeira 1 -SC), Marcos Calil (Santo André/SP), Antônio Padilha Filho (Correias / RJ) e William Souza, informaram condições atmosféricas desfavoráveis aos registros, com muitas nuvens cobrindo o céu durante o evento do trânsito.
De acordo com os cálculos do astrônomo Hélio Carvalho Vital, do Rio de Janeiro/RJ, para Belo Horizonte / MG, os contatos ocorreram da seguinte forma:
Contato Hora de Brasília Altura (º)
I 08:13:50 25
II 08:17:01 25
III 15:38:49 23
IV 15:41:59 22
Agora só nos resta esperar por 11 de novembro de 2019, quando ocorrerá o próximo trânsito de Mercúrio. Vamos pedir a Deus e à nossa amiga Urânia que nos ajudem, trazendo um céu ensolarado e limpo, nos dando a oportunidade para executar registros totais e com qualidade.
Imagem: Composição fotográfica obtida através das nuvens, mostrando alguns momentos do trânsito de Mercúrio em 09 de maio de 2016 – fotos com apenas 1 frame – VTOL.
Observatório Lunar Vaz Tolentino – BH/MG – www.vaztolentino.com.br