A Bandeira da Proclamação da República

Nelson  Travnik
nelson-travnik@hotmail.com
OAP - SAF

Na sexta-feira de 15/11 última, o País celebrou 124 anos da Proclamação da República, após um golpe militar perpetrado contra o Imperador D. Pedro II, governante de uma Nação considerada de 1º Mundo. Naturalmente a bandeira do Império teria que ser substituída por aquela introduzida em 1822. A nova Bandeira Nacional foi estabelecida através do Decreto nº 4 de 19/11/1889, redigido por Rui Barbosa e assinado por: Marechal Manuel Deodoro da Fonseca, chefe do Governo Provisório, Quintino Bocaiuva, Aristides da Silveira Lobo, Rui Barbosa, M. Ferraz de Campos Sales, Benjamin Constant Botelho de Magalhães  e Eduardo Wandenkolk.

Um Céu de puríssimo Azul

A Bandeira do Brasil é uma das mais belas e sugestivas do mundo e também a única que representa grande parte do firmamento que envolve a Terra. É a mais completa ilustração já imaginada para uma bandeira nacional. O círculo interno em azul corresponde a uma visão da esfera celeste inclinada segundo a latitude do Rio de Janeiro às 08h30 do dia 15/11/1889, data e local da Proclamação da República. Nesta hora a constelação do Cruzeiro do Sul encontra-se no meridiano do Rio de Janeiro. Como é dia, obviamente o céu só seria visível se ocorresse nesta data e local um eclipse total do Sol. Qualquer carta celeste mostra isso bem como no dia 20 de maio às 20h00 a situação se repete. É só olhar o céu e conferir.

Céu às Avessas

O céu representado na Bandeira evidencia erros e falhas astronômicas. A posição das estrelas não coincidem com as estampadas na Bandeira. Isto está mais evidente na constelação do Cruzeiro do Sul com a posição da estrela épsilon (popularmente conhecida como ‘intrometida’) e que representa o Estado do Espírito Santo. Está invertida. Compare por exemplo com o Cruzeiro do Sul que figura nas bandeiras da Austrália, Samoa Ocidental, Papua-Nova Guiné e Nova Zelândia. Outro fato é que as estrelas não coincidem em suas posições e magnitude aparente. É o caso da constelação do Escorpião que não é possível verificar quais sejam as estrelas escolhidas tão erradas estão. Por último temos o caso da faixa “Ordem e Progresso” que alguns afirmaram tratar-se do Equador Celeste ou outros da Eclíptica, faixa zodiacal onde se deslocam o Sol e a Lua. Do ponto de vista da astronomia não pode ser nem uma nem outra. Para ser Eclíptica a estrela Spica, alfa da constelação da Virgem e que representa o Estado do Pará, teria que ficar abaixo dela e a estrela beta do Escorpião (Maranhão) acima.

Erros Grosseiros de Astronomia

É difícil conceber que astrônomos do então Imperial Observatório, denominado em seguida para Observatório Nacional, que estavam ali bem próximos, não tenham sido consultados para estabelecer corretamente as posições das estrelas e da faixa que corta o céu da Bandeira. A reação a este lamentável episódio não se fez esperar. Na época, Eurico de Góis declarou que o pintor Décio Villares ao desenhar a Bandeira não interpretou convenientemente o Decreto nº 4 que exigia que as estrelas fossem dispostas na sua situação astronômica quanto a distância e ao tamanho relativo. Em vez de adotar a representação do céu que se encontra nos atlas celestes, adotou o sistema dos globos. Como atribuir a um pintor uma tarefa que seria exclusivamente da alçada dos astrônomos? Quiçá um espírito revanchista contra o Imperador sabendo que ele era astrônomo amador e que possuía até um quarto no Observatório para descansar após as observações ? A Lei nº 5.443 de 28/05/1968 explica em seu art. 3º, §1º que as constelações do céu das 08h30 do dia 15/11/1889 (12 horas siderais) devem ser consideradas como vistas por um observador fora da esfera celeste. Um céu portanto só acessível a um astronauta!  Na ocasião os legisladores procuraram amenizar apresentando justificativas para convencer os leigos. Uma delas é que o aspecto celeste representado na Bandeira é a imagem do céu que seria visto às 08h30 do dia 15/11/1889, portanto em pleno dia, refletido nas águas da baia da Guanabara !! A questão foi debatida nos jornais, na tribuna do congresso e até o povo foi instado a opinar. Mas tudo ficou como estabelecido pelo pintor. Todos os erros astronômicos constam de dois livros: o primeiro de Eduardo Prado “A Bandeira Nacional” publicado em 1903 e depois pelo IBGE e o de Rubens de Azevedo “A Bandeira Nacional”, publicado em 1988 pela edições Tukano – Arte  & Literatura.

O Que fazer?

O projeto poderia ter sido alterado no inicio com a tarefa a cargo dos astrônomos do Observatório Nacional. Fica complicado que passados tantos anos, agora que estamos solidários com a Bandeira, proceder modificações. O mais sensato é portanto deixá-la como está e considerar então que tudo é simbólico e as estrelas nas constelações estão como se fossem atiradas ao acaso. “Cientes de que nada é perfeito, orgulhamo-nos de que a nossa Bandeira contenha lineamentos fundamentais da cultura humana, segmentos de nossa história e projetos permanentes de realizações futuras. A Bandeira ai está, mais gloriosa que nunca“. (Raimundo O. Coimbra).

Nelson Travnik é astrônomo e Membro Titular da Sociedade Astronômica da França.
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