Ano Bissexto: Uma História que Remonta ao Egito

Nelson Travnik*

No dia 24 de fevereiro estão transcorridos 430 anos da introdução do calendário que usamos, o Gregoriano. 2012 é ano bissexto porque em fevereiro temos 29 dias: fato que ocorre a cada quatro anos. A palavra bissexto vem do latim, bissextus, que significa duas vezes sexto, ou seja, que o ano tem 366 dias. São anos sempre cercados de mitos, tradições e crendices e há este ano irão somar propaladas profecias assustadores sobre grandes catástrofes na Terra. Esse clima de fatalismo é passível de causar instabilidade emocional nas pessoas menos esclarecidas, provocada por religiosos, esotéricos ou de meros fanáticos. Este é, portanto um ano em que nós astrônomos e abalizados pesquisadores, temos a responsabilidade de esclarecer a população sobre o que realmente a ciência diz sobre o assunto. Somente ela está apta a elucidar questões referentes a grandes catástrofes geológicas e espaciais, passíveis de causas grandes danos ao planeta.


ORIGEM

O ano bissexto surgiu em 238 a.C. , em Alexandria, no Egito. Durante a monarquia helenística de Ptolomeu III (246 -222 a.C.) foi decretado a adição de um dia a cada quatro anos para compensar a diferença que existia no excesso anual de 6 horas na duração do ano de 365 dias. Ao excesso anual de 6 horas deveria ser acrescentado 1 dia em cada quatro anos no calendário oficial. As raízes, portanto, do ano bissexto estão no Egito.

A INTERVENÇÃO DE JÚLIO CÉSAR

Como veremos adiante, simplesmente instituir um ano bissexto em cada quatro anos não resolve o erro acumulativo com o passar dos anos. E o imperador Júlio César (100 -44 a.C.), duzentos anos depois, em -46 a.C., ao instituir o seu calendário Juliano apoiado nos estudos do astrônomo grego Sosígenes, persistiu no mesmo erro. Primeiro para corrigir as discrepâncias existentes, foram adicionados 80 dias ao ano de -46 passando o mesmo a ter 445 dias. Por isto foi chamado o “Ano da Confusão”. O ano passou a ter inicio no dia 1º de janeiro, tendo 365 dias e ¼ divididos em 12 meses de 30 e 31 dias com exceção de fevereiro que teria 28 ou 29 dias sendo bissexto. No inicio tudo funcionou bem, mas depois de algum tempo sobrevieram erros gritantes. Adotado por mais de 16 séculos, no ano 730 o monge Beda constatou no Concílio de Nicéia que o calendário Juliano estava errado e que ao fim de 128 anos, ocorria atraso de 1 dia em relação ao inicio das estações. Em 400 anos as estações adiantavam-se três dias. Após 16 séculos de uso o inicio da primavera já estava coincidindo com o Natal!

Júlio César

CAOS NO CALENDÁRIO DETERMINOU NOVAS REGRAS

Alguém tinha que fazer alguma coisa e esse alguém foi o papa Gregório XIII que para isto convocou o astrônomo e médico napolitano Luigio Lilio (1510-1576) e o matemático alemão Christophorus Clavius (1537-1612) para elaborar regras para um novo calendário. Segundo conselhos dos astrônomos, resolveu corrigir de vez a diferença entre o calendário oficial e o solar. No dia 24 de fevereiro de 1582 o papa editou a bula ‘Intergravissimas’ decretando a reforma do calendário. A modificação principal para corrigir os erros do calendário Juliano é que só seriam bissextos os anos seculares quando múltiplos de 400 e que o ano de 1582 que já acumulava um atraso de dez dias em relação ao ano solar, seria diminuído de dez dias passando a quinta-feira 04 de outubro para a sexta-feira dia 15. Quem dormiu, portanto no dia 04 acordou no dia 15! Com a nova distribuição dos anos bissextos em final de século ficou sanado o erro de 3,1132 dias que se acumulavam no fim de 400 anos pelo calendário Juliano. Mesmo assim o calendário Gregoriano não é perfeito, pois apresenta um excesso de 1.132 dias em cada 3.300 anos solares. O fato curioso é que o excesso de 12 segundos do calendário Gregoriano sobre o tempo real de translação da Terra ao redor do Sol fará com que os anos de 3.320 e 6.640 fevereiro terá 27 dias. A reforma gregoriana foi logo aceita pelos países católicos, inclusive o Brasil em 1582. Os países protestantes esperaram até 1700 quando a diferença entre o Juliano e o Gregoriano já eram de 11 dias e a Inglaterra só aderiu em 1752. Apesar das mudanças feitas no atual calendário, ele ainda é arbitrário e matematicamente errôneo e isto tem levado alguns organismos a pensar em um novo calendário. Contudo essas tentativas não vingaram e parece que como está ainda vai permanecer por longo tempo. O calendário para ser rigorosamente exato deveria ser astronômico.
Gregório XIII introduziu novo calendário em 1582

TEMPUS FUGIT – CARPE DIEM

Seja como for o tempo não nos pertence, na verdade somos nós que somos seus escravos, pois é ele que decide a hora do nascimento e da despedida. Ninguém tem mais nem menos tempo. Estamos presos a este planeta submetidos aos seus movimentos que nos dá direito a 1440 minutos por dia, 168 horas por semana e a 8.766 horas por ano. No nosso cotidiano, o fluxo do tempo nos escapa. Para regular o tempo criamos, pois um calendário. É ele que rege nossa existência, nossas lembranças e nossos sonhos. Por conseguinte é válido recordar sempre a máxima em latim : Tempus Fugit – Carpe Diem, O Tempo passa Célere, Foge – Aproveita o Dia, o Momento.

*Nelson Travnik é astrônomo dos observatórios municipais de Americana e Piracicaba/SP e Membro Titular da Sociedade Astronômica da França, fundada por Camille Flammarion em 1887.
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