A Estrela de Belém: entre a tradição cristã e a interpretação astronômica

 Antônio Rosa Campos

Até hoje, não há consenso científico definitivo sobre a natureza da “Estrela de Belém”. Permanecem hipóteses astronômicas plausíveis, cada uma com seus pontos fortes e limitações, e, para os que leem o episódio pela perspectiva religiosa, permanece o sentido espiritual do relato: um sinal providencial que conduziu os magos até Belém — lembrando o princípio de fé de que, para Deus, nada é impossível.  

Dentro da tradição cristã, muitas famílias costumam representar esse sinal em presépios e celebrações. Do ponto de vista da investigação humana, a pergunta central é: o que poderia ter sido essa “estrela”, à luz do que se sabe hoje sobre o céu do passado?  

O primeiro artista amplamente citado por retratar a “estrela” com aparência de cometa foi Giotto di Bondone, no início do século XIV, ao pintar a cena da “Adoração dos Magos”, representando um astro com cauda. Essa imagem influenciou profundamente a iconografia da Estrela de Belém e contribuiu para a associação popular entre o relato bíblico e a ideia de um grande cometa.


Fonte: imagem gerada por IA. Plataforma Gemini. Em 19 de dezembro de 2025.

Do ponto de vista astronômico, é natural considerar que fenômenos visíveis a olho nu — como cometas, conjunções de planetas ou outros eventos incomuns no céu — pudessem ser interpretados como sinais por observadores atentos da época, especialmente em culturas que atribuíam significados simbólicos aos astros.  

1) A hipótese do cometa  

Muitas pessoas associam a Estrela de Belém a um cometa. No entanto, quando se menciona especificamente o cometa 1P/Halley, é importante corrigir a cronologia: listas históricas de efemérides mostram que o Halley teve periélio registrado em 10 de outubro de 12 a.C. (calendário juliano) e, depois, em 26 de janeiro de 66 d.C. Assim, não é adequado afirmar que sua passagem periélica ocorreu “por volta de 7 d.C.”, o que enfraquece o Halley como candidato direto para o episódio tradicionalmente associado ao nascimento de Jesus.  

A astronomia moderna dispõe hoje de bancos de dados detalhados de elementos orbitais de cometas, como os mantidos em catálogos oficiais e efemérides numéricas. Esses conjuntos de dados permitem retrocalcular órbitas e épocas de periélio para muitos cometas periódicos ao longo dos séculos, incluindo o próprio 1P/Halley em diversas aparições anteriores ao período cristão.  

Quando se olha para esse intervalo específico — de 2 a.C. a 12 d.C. — não se encontra, nesses bancos de dados modernos de órbitas, um cometa com periélio bem determinado e dinamicamente confiável que se encaixe de maneira clara e incontestável no contexto temporal e descritivo do relato do Evangelho de Mateus. Em outras palavras, do ponto de vista das órbitas hoje conhecidas, não há um “candidato oficial” entre os cometas catalogados que possa ser apontado com segurança como a Estrela de Belém.  

Além disso, muitos cometas descritos em crônicas antigas (gregas, romanas, chinesas, babilônicas etc.) não possuem séries de observações suficientemente detalhadas para permitir a determinação de órbitas completas no sistema moderno. Assim, eles não aparecem nos bancos de dados atuais com elementos orbitais precisos, o que limita qualquer tentativa de vinculá‑los de forma robusta ao episódio bíblico.  

2) A hipótese da conjunção planetária (Vênus e Júpiter)  

Outra hipótese frequentemente citada é a de uma conjunção muito fechada entre Vênus e Júpiter. Por decisão editorial adotada neste projeto, considera‑se a data de 17 de junho de 2 a.C. como referência para essa hipótese, ligada a discussões atribuídas ao astrônomo Roger W. Sinnott em Sky & Telescope. Em conjunções muito próximas, dois planetas brilhantes podem parecer uma única “estrela” para o olho nu, dependendo da separação angular, do brilho, da transparência do céu e da altura acima do horizonte (ao anoitecer ou antes do nascer do Sol).  

A beleza e o impacto desse tipo de fenômeno dependem de fatores como:  

- distância angular mínima entre os astros;  

- brilho de cada planeta;  

- condições atmosféricas e poluição luminosa;  

- horário e posição no céu (altura acima do horizonte).  

Mesmo que uma conjunção não produza uma “estrela nova” no sentido físico, pode produzir um espetáculo celeste suficientemente marcante para observadores experientes em astrologia/astronomia antiga, especialmente se for interpretado à luz de símbolos culturais e expectativas religiosas da época.  

3) A hipótese do meteoro (ou “estrela cadente”)  

Outros sugerem que a Estrela de Belém poderia ter sido uma grande “estrela cadente”. Aqui é essencial usar os termos corretamente:  

- meteoroide: o corpo no espaço;  

- meteoro: o fenômeno luminoso quando o meteoroide entra na atmosfera;  

- meteorito: o fragmento que sobrevive e cai no solo.  

Na maioria dos casos, o brilho de um meteoro é extremamente rápido, durando segundos ou, em situações mais raras, alguns minutos no caso de trilhas luminosas persistentes. Esse comportamento transitório dificulta explicar a ideia de um astro que “guia” uma viagem ao longo de dias ou semanas, como sugerido pela narrativa tradicional, o que torna essa hipótese menos atraente em comparação com fenômenos mais duradouros, como cometas ou configurações planetárias.  

Conclusão  

Até o momento, não existe uma identificação astronômica universalmente aceita para a Estrela de Belém. Hipóteses com cometas, conjunções planetárias, novas interpretações de fenômenos atmosféricos ou mesmo leituras simbólicas continuam em discussão, mas nenhuma solução consegue satisfazer simultaneamente todos os critérios históricos, astronômicos e textuais.  

Mesmo com o uso de efemérides modernas e bancos de dados orbitais detalhados, não foi possível encontrar um cometa ou outro corpo celeste com órbita bem estabelecida que se encaixe de forma inequívoca no período tradicionalmente associado ao nascimento de Jesus. Para quem aborda o tema a partir da fé, permanece sobretudo o significado espiritual do relato: um sinal excepcional que, de maneira providencial, conduziu os magos até Belém, sem depender de uma identificação única e definitiva com um objeto astronômico específico.

Referências:

1) NASA Jet Propulsion Laboratory (JPL) – Solar System Dynamics (SSD). Great Comets in History. s.d. (sem data explícita na página). https://ssd.jpl.nasa.gov/sb/great_comets.html

2) SINNOTT, Roger W. Thoughts on the Star of Bethlehem. Sky and Telescope. Dezembro 1968. (Registro bibliográfico ADS/SAO-NASA). https://ui.adsabs.harvard.edu/abs/1968S%26T....36..384S

3) European Space Agency (ESA). Adoration of the Magi (Giotto): Halley’s Comet appeared in 1301 and served as a model for Giotto’s ‘Star of Bethlehem’. 01 abr. 1985 (atualização exibida: 01 set. 2019). https://sci.esa.int/web/giotto/-/13965-adoration-of-the-magi

4) NASA Science. Meteors and Meteorites: Facts. Amanda Barnett (Page Editor). 14 fev. 2025. <https://science.nasa.gov/solar-system/meteors-meteorites/facts/>.

5) Encyclopaedia Britannica. Basic features of meteors (meteor/meteoroid). Britannica Editors. (página com histórico editorial; acesso público). https://www.britannica.com/science/meteor/Basic-features-of-meteors>.

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